Aristóteles - Metafísica LIVRO I CAPÍTULO I Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa alguma, preferimos, por assim dizer, a vista ao demais. A razão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre. (2) Por natureza, seguramente, os animais são dotados de sensação, mas, nuns, da sensação não se gera a memória, e noutros, gera-se. Por isso, estes são mais inteligentes e mais aptos para aprender do que os que são incapazes de recordar. Inteligentes, pois, mas sem possibilidade de aprender, são todos os que não podem captar os sons, como as abelhas, e qualquer outra espécie parecida de animais. Pelo contrário, têm faculdade de aprender todos os seres que, além da memória, são providos também deste sentido. (3) Os outros [animais] vivem portanto de imagens e recordações, e de experiência pouco possuem. Mas a espécie humana [vive] também de arte e de raciocínios. (4) É da memória que deriva aos homens a experiência: pois as recordações repetidas da mesma coisa produzem o efeito duma única experiência, e a experiência quase se parece com a ciência e a arte. Na realidade, porém, a ciência e a arte vêm aos homens por intermédio da experiência, porque a experiência, como afirma Polos, e bem, criou a arte, e a inexperiência, o acaso. (5) E a arte aparece quando, de um complexo de noções experimentadas, se exprime um único juízo universal dos [casos] semelhantes. Com efeito, ter a noção de que a Cálias, atingido de tal doença, tal remédio deu alívio, e a Sócrates também, e, da mesma maneira, a outros tomados singularmente, é da experiência; mas julgar que tenha aliviado a todos os semelhantes, determinados segundo uma única espécie, atingidos de tal doença, como os fleumáticos, os biliosos ou os incomodados por febre ardente, isso é da arte. (6) Ora, no que respeita à vida prática, a experiência em nada parece diferir da arte; vemos, até, os empíricos acertarem melhor do que os que possuem a noção, mas não a experiência. E isto porque a experiência é conhecimento dos singulares, e a arte, dos universais; e, por outro lado, porque as operações e as gerações todas dizem respeito ao singular. Não é o Homem, com efeito, a quem o médico cura, se não por acidente, mas Cálias ou Sócrates, ou a qualquer outro assim designado, ao qual aconteceu também ser homem. (7) Portanto, quem possua a noção sem a experiência, e conheça o universal ignorando o particular nele contido, enganar-se-á muitas vezes no tratamento, porque o objeto da cura é, de preferência, o singular. No entanto, nós Julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e os outros não. Com efeito, os empíricos sabem o "quê", mas não o "porquê"; ao passo que os outros sabem o "porquê" e a causa. (8) Por isso nós pensamos que os mestres de obras, em todas as coisas, são mais apreciáveis e sabem mais que os operários, pois conhecem as causas do que se faz, enquanto estes, à semelhança de certos seres inanimados, agem, mas sem saberem o que fazem, tal como o fogo [quando] queima. Os seres inanimados executam, portanto, cada uma das suas funções em virtude de certa natureza que lhes é própria, e os mestres pelo hábito. Não são, portanto, mais sábios os [mestres] por terem aptidão prática, mas pelo fato de possuírem a teoria e conhecerem as causas. (9) Em geral, a possibilidade de ensinar é indício de saber; por isso nós consideramos mais ciência a arte do que a experiência, porque [os homens de arte] podem ensinar e os outros não. Além disto, não julgamos que qualquer das sensações constitua a ciência, embora elas constituam, sem dúvida, os conhecimentos mais seguros dos singulares. Mas não dizem o "porquê" de coisa alguma, por exemplo, por que o fogo é quente, mas só que é quente. (10) É portanto verossímil que quem primeiro encontrou uma arte qualquer, fora das sensações comuns, excitasse a admiração dos homens, não somente em razão da utilidade da sua descoberta, mas por ser sábio e superior aos outros. E com o multiplicar-se das artes, umas em vista das necessidades, outras da satisfação, sempre continuamos a considerar os inventores destas últimas como mais sábios que os das outras, porque as suas ciências não se subordinam ao útil. (11) De modo que, constituídas todas as [ciências] deste gênero, outras se descobriram que não visam nem ao prazer nem à necessidade, e primeiramente naquelas regiões onde [os homens] viviam no ócios. É assim que, em várias partes do Egito, se organizaram pela primeira vez as artes matemáticas, porque aí se consentiu que a casta sacerdotal vivesse no ócio. (12) Já assinalamos na Ética a diferença que existe entre a arte, a ciência e as outras disciplinas do mesmo gênero. O motivo que nos leva agora a discorrer é este: que a chamada filosofia é por todos concebida como tendo por objeto as causas primeiras e os princípios; de maneira que, como acima se notou, o empírico parece ser mais sábio que o ente que unicamente possui uma sensação qualquer, o homem de arte mais do que os empíricos, o mestre de obras mais do que o operário, e as ciências teoréticas mais que as práticas. Que a filosofia seja a ciência de certas causas e de certos princípios é evidente. CAPÍTULO II Ora, visto andarmos à procura desta ciência, devemos examinar de que causas e de que princípios a filosofia é a ciência. Se considerarmos as opiniões que existem acerca do filósofo, talvez o problema se nos manifeste com maior clareza. (2) Nós admitimos, antes de mais, que o filósofo conhece, na medida do possível, todas as coisas, embora não possua a ciência de cada uma delas por si. Em seguida, quem consiga conhecer as coisas difíceis e que o homem não pode facilmente atingir, esse também consideramos filósofo (porque o conhecimento sensível é comum a todos, e por isso fácil e não científico). Além disto, quem conhece as causas com mais exatidão, e é mais capaz de as ensinar, é considerado em qualquer espécie de ciência como mais filósofo. (3) E, das ciências, a que escolhemos por ela própria, e tendo em vista o saber, é mais filosofia do que a que escolhemos em virtude dos resultados; e uma [ciência] mais elevada é mais filosofia do que uma subordinada, pois não convém que o filósofo receba leis, mas que as dê, e que não obedeça ele a outro, mas a ele quem é menos sábio. (4) Tais e tantas são, pois, as opiniões que temos sobre a filosofia e os filósofos. E quanto a estes, o conhecimento de todas as coisas encontra-se necessariamente naquele que, em maior grau, possui a ciência universal, porque ele conhece, de certa maneira, todos os [individuais] sujeitos. No entanto, é sobremaneira difícil ao homem chegar a estes conhecimentos universais, porque estão muito para além das sensações. Além disto, entre as ciências são mais exatas as que se ocupam predominantemente dos "primeiros"; e as que de menos [elementos precisam] são mais exatas do que as que são chamadas "por adição", como a aritmética relativamente à geometria. (5) Porém, a que ensina é a ciência que investiga as causas, porque só os que dizem as causas de cada coisa é que ensinam. Ora, conhecer e saber por amor deles mesmos é próprio da ciência do sumamente conhecível. Com efeito, quem procura o conhecer pelo conhecer escolherá, de preferência, a ciência que é mais ciência, e esta é a do sumamente conhecível; e sumamente conhecíveis são os princípios e as causas: é pois por eles e a partir deles que conhecemos as outras coisas, e não eles por meio destas, que são subordinadas. (6) A mais elevada das ciências, e superior a qualquer subordinada, é, portanto, aquela que conhece aquilo em vista do qual cada coisa se deve fazer. E isto é o bem em cada coisa e, de maneira geral, o ótimo no conjunto da natureza. (7) Resulta portanto de todas estas considerações que é a esta mesma ciência que se aplica o nome que procuramos. Ela deve ser, com efeito, a [ciência) teorética dos primeiros princípios e das causas, porque o bem e o "porquê" são uma das causas. Que não é uma [ciência) prática resulta [da própria história) dos que primeiro filosofaram. (8) Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da Lua, as do Sol e dos astros e a gênese do Universo. Ora, quem duvida e se admira julga ignorar: por isso, também quem ama os mitos é, de certa maneira, filósofo, porque o mito resulta do maravilhoso. Pelo que, se foi para fugir à ignorância que filosofaram, claro está que procuraram a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade. (9) Testemunha-o o que de fato se passou. Quando já existia quase tudo que é indispensável ao bem-estar e à comodidade, então é que se começou a procurar uma disciplina deste gênero. É pois evidente que não a procuramos por qualquer outro interesse mas, da mesma maneira que chamamos homem livre a quem existe por si e não por outros, assim também esta ciência é, de todas, a única que é livre, pois só ela existe [ por si ]. E por tal razão, poderia justamente considerar-se mais que humana a sua aquisição. Por tantas formas é, na verdade, a natureza serva dos homens que, segundo Simônides, "Só Deus poderia gozar deste privilégio”, e não convém ao homem procurar uma ciência que lhe não está proporcionada. (10) Se, como dizem os poetas, a divindade é por natureza invejosa, nisto sobretudo deveria ver-se o efeito, e todos os mais categorizados serem infelizes. Ora, nem é admissível que a divindade seja invejosa, e, segundo o provérbio, "os poetas dizem muitas mentiras", nem se pode admitir que haja outra ciência mais apreciável que esta. Com efeito, a mais divina é também a mais apreciável, e só em duas maneiras o pode ser: ou por ser possuída principalmente por Deus, ou por ter como objeto as coisas divinas. Ora, só a nossa ciência tem estas duas prerrogativas. Deus, com efeito, parece ser, para todos, a causa e princípio, e tal ciência só Deus, ou Deus principalmente, poderia possuí-La. (11) Todas as outras são, pois, mais necessárias do que ela, mas nenhuma se lhe sobreleva em excelência. E o estado em que nos deve deixar a sua aquisição é inteiramente contrário ao do das primitivas indagações, pois, dissemos nós, todas começam pela admiração de como as coisas são: tais os autômatos, aos olhos daqueles que não examinaram ainda a causa, ou os solstícios, ou a incomensurabilidade do diâmetro: parece, de fato, maravilhoso para todos que haja uma quantidade não comensurável pela menor unidade [que se quiser]. (12) Ora, nós devemos acabar, segundo o provérbio, pelo contrário e pelo melhor como acontece nestes [exemplos], desde que se conheçam [as causas]; nada, efetivamente, espantaria tanto um geômetra como o diâmetro tornar-se comensurável. Fica assim estabelecida a natureza da ciência que procuramos e também o fim que a nossa investigação e todo o tratado devem alcançar. CAPÍTULO III É pois manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa); ora, causa diz-se em quatro sentidos: no primeiro, entendemos por causa a substância e a quididade (o "porquê" reconduz-se pois à noção última, e o primeiro "porquê" é causa e princípio); a segunda [causa] é a matéria e o sujeito; a terceira é a de onde [vem] o início do movimento; a quarta [causa], que se opõe à precedente, é o "fim para que" e o bem (porque este é, com efeito, o fim de toda a geração e movimento). Já estudamos suficientemente estes princípios na Física; todavia queremos aqui associar-nos aos que, antes de nós, se aplicaram ao estudo dos seres e filosofaram sobre a verdade. (2) É, com efeito, evidente que eles também falam em certos princípios e em certas causas; tal exame será portanto útil ao nosso estudo, porque ou descobriremos uma outra espécie de causas, ou daremos mais crédito às que acabamos de enumerar. A maior parte dos primeiros filósofos considerou como princípios de todas as coisas unicamente os que são da natureza da matéria. E aquilo de que todos os seres são constituídos, e de que primeiro se geram, e em que por fim se dissolvem, enquanto a substância subsiste, mudando-se unicamente as suas determinações, tal é, para eles, o elemento e o princípio dos seres. (3) Por isso, opinam que nada se gera e nada se destrói, como se tal natureza subsistisse indefinidamente, da mesma maneira que não afirmamos que Sócrates é gerado, em sentido absoluto, quando ele se torna belo ou músico, nem que ele morre quando perde estas qualidades, porque o sujeito, o próprio Sócrates, permanece; e assim quanto às outras coisas, porque deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras derivem, mas conservando-se ela inalterada. (4) Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos pensam da mesma maneira. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água (é por isto que ele declarou também que a terra assenta sobre a água), levado sem dúvida a esta concepção por observar que o alimento de todas as coisas é úmido e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo donde as coisas vêm é, para todas, o seu princípio). Foi desta observação, portanto, que ele derivou tal concepção, como ainda do fato de todas as sementes terem uma natureza úmida e ser a água, para as coisas úmidas, o princípio da sua natureza. (5) A parecer de alguns, também os mais antigos, aqueles que muito antes da nossa geração e primeiramente teologizaram teriam concebido a natureza da mesma maneira. De fato, consideraram o Oceano e Tétis como os pais da geração, e fazem jurar os deuses pela água, à qual os poetas chamam Estiges: ora, se o mais antigo é o mais venerável, o juramento é, sem dúvida, o que há de mais venerando. (6) Se esta opinião sobre a natureza é antiga e vetusta, não está bem claro; em todo o caso, assim parece ter-se exprimido Tales acerca da causa primeira. Quanto a Hipon, ninguém, de certeza, pensaria em o colocar na série destes [pensadores], em razão da pouquidade do seu pensamento. (7) Anaxímenes e Diógenes consideram o ar como anterior à água, e, entre os corpos simples, como o princípio por excelência, enquanto para Hípaso Metapontino e Heráclito de Éfeso é o fogo, e para Empédocles são os quatro elementos, visto ele acrescentar um quarto aos que acabamos de referir: a terra. Estes elementos subsistem sempre e não são gerados, salvo no que toca ao aumento ou diminuição, quer se unam numa unidade, quer se dividam a partir dela. (8) Anaxágoras de Clazômenes, anterior a Empédocles pela idade, mas posterior pelas obras, afirma que os princípios são infinitos. Quase tudo o que é constituído de partes semelhantes, como a água ou o fogo, diz ele, está sujeito à geração e à destruição de uma só maneira, a saber, pela união e pela desunião; as coisas não nascem de outra maneira, nem morrem, mas subsistem eternamente. (9) Resulta daqui que deveria considerar-se como causa única somente aquela que está na espécie da matéria. Assim prosseguindo, a própria realidade mostrou-lhes o caminho e obrigou-os a um estudo ulterior. Com efeito, ainda que toda a geração e toda a corrupção procedam de um único princípio ou de vários, por que é que isso acontece e qual a causa? Não é seguramente o sujeito o autor das suas próprias mudanças: por exemplo, nem a madeira, nem o bronze são a causa das próprias modificações, pois não é a madeira que faz a cama, ou o bronze a estátua, mas alguma outra coisa é a causa da mudança. Ora, procurar esta outra coisa é procurar o outro princípio donde, como dissemos, [provém] a origem do movimento. (10) Aqueles que, primeiramente, se empenharam neste gênero de investigação e afirmaram que o sujeito é único não se deram conta desta dificuldade, mas alguns, pelo menos entre os que proclamavam esta unidade, quase que vencidos pela própria questão, afirmam que o uno é imóvel e que toda a natureza o é, não só quanto à geração e à corrupção (crença esta primitiva e que todos adotaram), mas também no que respeita a toda e qualquer outra mudança. Esta doutrina é-lhes privativa. (11) Entre os que afirmaram que o Universo é uno, a nenhum ocorreu entrever tal causa, a não ser talvez Parmênides, e este somente enquanto reconhece não uma única causa, mas, em certo sentido, duas. Quanto aos que admitem vários [elementos], acontece que dizem mais, como, por exemplo, os que [admitem] o calor e o frio, ou o fogo e a terra. Eles, com efeito, servem-se do fogo como se este possuísse uma natureza cinética, e da água, da terra e dos outros elementos análogos, como [se possuíssem] uma [natureza] contrária. (12) Depois destes, e de tais princípios, visto serem insuficientes para gerar a natureza das coisas, os filósofos, de novo constrangidos, como dissemos, pela própria verdade, foram à procura do princípio que se lhe seguia. Com efeito, o existir ou o produzir-se da ordem e do belo nas coisas não é provavelmente originado nem pelo fogo, nem pela terra, nem por outro elemento deste gênero, e não é mesmo verossímil que eles o tivessem pensado. Por outro lado, não era razoável atribuir ao acaso e à fortuna uma tão grande obra. (13) Quem, portanto, afirmou que existia na natureza, como entre os animais, uma Inteligência, causa do mundo e da ordem universal, apareceu jejuno, em comparação dos que anteriormente afirmaram coisas vãs. Quem alcançou abertamente estas noções, sabemo-lo, foi Anaxágoras, mas foi precedido, diz-se, por Hermótimo de Clazômenes. (14) Os que, pois, assim pensaram fizeram uma mesma coisa da causa que é princípio do bem nos seres e da causa donde vem aos seres o movimento. CAPÍTULO IV Poder-se-ia supor que Hesíodo foi o primeiro que procurou alguma coisa de parecido, e com ele os que supuseram nos seres o amor ou o desejo como princípio, Parmênides por exemplo. Este, com efeito, expondo a gênese do Universo, diz: "antes de todos os deuses, criou o amor", e Hesíodo: "antes de tudo foi o Caos, depois a terra dos grandes seios, e o amor que a todos os imortais supera", tão conveniente era que se encontrasse nos seres uma causa capaz de dar movimento e ordem às coisas. Quanto a distribuí-los relativamente à prioridade, seja-nos permitido remeter para mais tarde a nossa opinião. (2) Como os contrários do bem aparecem também na natureza, e não só a ordem e o belo senão ainda a desordem e o feio, e o mal em maior quantidade que o bem, e o feio do que o belo, ocorreu então a outro filósofo introduzir a amizade e a discórdia, cada uma delas causa contrária de efeitos contrários. (3) Se alguém, pois, seguir o raciocínio de Empédocles, atendendo mais ao espírito do que à sua maneira balbuciante de se exprimir, encontrará que a amizade é a causa das coisas boas, e a discórdia das más. Afirmando, portanto, que Empédocles, em certo modo, e pela primeira vez, admitiu o bem e o mal como princípios, talvez se acerte, visto ser o próprio bem a causa de todos os bens, e o mal, dos males. (4) Estes, como vimos dizendo, apreenderam evidentemente, até agora, duas das causas que nós determinamos na Física, a saber, a matéria e o princípio do movimento, porém, de uma maneira vaga e obscura, tal como fazem, nas lutas, os mal exercitados, os quais, atirando-se de um lado para o outro, conseguem às vezes dar lindos golpes; mas nem estes [os dão] por ciência, nem aqueles parecem saber o que dizem. Com efeito, quase nunca os vemos servir-se de tais princípios, a não ser esporadicamente. (5) Anaxágoras serve-se da inteligência para a geração do Universo como de um ex machina; e quando se vê embaraçado pela causa de algum fenômeno necessário, então é que ela o atrai. Nos outros casos, é a tudo o mais, salvo à inteligência, que ele atribui o que acontece. Empédocles também se serve das causas, mais que este último, mas de maneira não suficiente nem coerente. Em muitos casos, com efeito, a amizade para ele separa e a discórdia une. Quando, pois, o Universo se dissolve nos seus elementos sob a ação da discórdia, então o fogo e cada um dos outros elementos reúnem-se num todo; inversamente, quando sob a ação da amizade, os elementos são reduzidos à unidade, as partes são de novo forçadas a separar-se de cada [elemento]. (6) Empédocles foi, portanto, o primeiro que, em oposição aos seus antecessores, introduziu esta divisão na causa em questão, admitindo não um único princípio do movimento, mas dois diferentes e contrários. Além disto, foi o primeiro a afirmar que são quatro os elementos atribuídos à natureza material. Todavia não se serve deles como se fossem quatro, mas somente de dois: por um lado, o fogo tomado em si, e por outro os seus contrários, considerados como uma natureza única, a terra, o ar e a água. Poderá dar conta disto quem quer que examine os seus poemas. (7) Tais são, pois, como vimos dizendo, a natureza e o número dos princípios admitidos por este filósofo. Leucipo, pelo contrário, e o seu amigo Demócrito reconhecem como elementos o pleno e o vazio, a que eles chamam o ser e o não ser; e ainda, destes princípios, o pleno e o sólido são o ser, o vazio e o raro o não ser (por isso afirmam que o ser não existe mais do que o não ser, porque nem o vazio [existe mais] que o corpo), e estas são as causas dos seres enquanto matéria. (8) E como aqueles que afirmam ser una a substância como sujeito formam todos os outros seres das modificações dela, pondo o raro e o denso como princípios das modificações, da mesma maneira também estes filósofos pretendem que as diferenças são as causas das outras coisas. São, segundo eles, estas três: a figura, a ordem e a posição. O ser, dizem eles, só difere pelo "rismó", "diatigé" e "tropé", isto é, pela "figura", "ordem" e "posição". Assim A difere de N pela figura, AN de NA pela ordem e Z de N pela posição. Quanto ao movimento, donde ou como se encontre nos seres, também estes, como os outros, negligentemente descuraram. (9) Tal é, pois, a respeito das duas causas, o ponto ao qual parecem ter chegado, a nosso ver, os que investigaram anteriormente [a nós]. CAPÍTULO V Entre estes, e antes deles, os chamados pitagóricos consagraram-se pela primeira vez às matemáticas, fazendo-as progredir, e, penetrados por estas disciplinas, julgaram que os princípios delas fossem os princípios de todos os seres. (2) Como, porém, entre estes, os números são, por natureza, os primeiros, e como nos números julgaram [os pitagóricos] aperceber muitíssimas semelhanças com o que existe e o que se gera, de preferência ao fogo, à terra e à água (sendo tal determinação dos números a justiça, tal outra a alma e a inteligência, tal outra o tempo, e assim da mesma maneira para cada uma das outras); além disto, como vissem nos números as modificações e as proporções da harmonia e, enfim, como todas as outras coisas lhes parecessem, na natureza inteira, formadas à semelhança dos números, e os números as realidades primordiais do Universo, pensaram eles que os elementos dos números fossem também os elementos de todos os seres, e que o céu inteiro fosse harmonia e número. E todas as concordâncias que podiam notar, nos números e na harmonia, com as modificações do céu e suas partes, e com a ordem do Universo, reuniam-nas, reduzindo-as a sistema. (3) Se nalguma parte algo faltasse, supriam logo com as adições necessárias, para que toda a sua teoria se tornasse coerente. Assim, como a década parece um número perfeito e parece abarcar toda a natureza dos números, eles afirmam que os corpos em movimento no Universo são dez. E como os [corpos celestes] visíveis são somente nove, por isso conceberam um décimo, a Anti-Terra. (4) Tratamos com maior precisão destas questões noutra parte. E se a isto voltamos, é porque queremos evidenciar os princípios que eles admitem, e como caem sob as causas já enumeradas. (5) Também eles parecem admitir que o número é princípio, quer como matéria dos seres, quer como [constituinte das] suas modificações e hábitos; e que do número [sejam elementos] o par e o ímpar, sendo destes o ímpar, finito, o par, infinito, e procedendo a unidade destes dois elementos (é pois ao mesmo tempo par e ímpar), mas o número da unidade, e sendo números, como se disse, o céu inteiro. (6) Outros, porém, dentre estes [filósofos], admitem dez princípios, coordenados aos pares: finito e infinito, ímpar e par, uno e pluralidade, direito e esquerdo, macho e fêmea, quieto e movimentado, retilíneo e curvo, luz e escuridão, bem e mal, quadrado e retângulo. Da mesma maneira parece ter pensado também Alcmêon crotoniense, quer tenha recebido as suas ideias dos pitagóricos, ou estes de Alcmêon. Ele florescia, com efeito, ao tempo da velhice de Pitágoras, e professou uma doutrina quase idêntica. Ele afirma, pois, que a maioria das coisas humanas vão aos pares, e cita oposições não definidas como as dos pitagóricos, mas tomadas ao acaso: por exemplo, branco e preto, doce e amargo, bem e mal, grande e pequeno. (7) Também sobre o restante emitiu ele ideias confusas, enquanto os pitagóricos mostravam com clareza de quais e quantos eram os contrários. (8) Destas duas [escolas] podemos, portanto, unicamente saber que os contrários são os princípios dos seres; quais e quantos eles sejam, só de uma [o podemos]. Como possam reportar-se às causas de que temos falado, não foi pelos pitagóricos claramente indicado; parece, todavia, que ordenam os elementos sob a espécie da matéria. Com efeito, é destes [elementos], enquanto intrínsecos, que afirmam ser constituída e modelada a substância. (9) Podemos assim avaliar suficientemente, pelo que precede, o pensamento dos antigos que admitiram que os elementos da natureza são múltiplos. Filósofos há, contudo, que se exprimiram acerca do Universo como se existisse uma única natureza, embora nem todos da mesma maneira, quer quanto à perfeição [da exposição], quer quanto à objetividade. Por conseguinte, nesta nossa investigação das causas, não haverá necessidade alguma de falar neles. Com efeito, não procedem à maneira de certos fisiólogos que, pondo o ser como uno, fazem originar, no entanto, as coisas a partir do uno como se fosse matéria, mas exprimem-se de outra maneira. Enquanto os primeiros, quando criam o Universo, lhe acrescentam o movimento, estes, pelo contrário, pretendem que e imóvel. (10) Ora, isto interessa de maneira particular à presente investigação. Parmênides, com efeito, parece ter alcançado o uno segundo a razão, Melisso, segundo a matéria. Por isso, o primeiro declara-o finito, o segundo, infinito. Xenófanes, no entanto, que foi o primeiro a admitir a unidade (pois Parmênides, ao que parece, foi seu discípulo), nada esclareceu, nem parece ter atingido a natureza de alguma destas duas [causas], mas, olhando para o conjunto do Universo, afirma que o uno é Deus. (11) Estes, porém, como dissemos, devem excluir-se da presente investigação: dois, Xenófanes e Melisso, por serem as suas concepções demasiado grosseiras. Quanto a Parmênides, parece, de fato, ter visto melhor o que diz. Convencido de que, além do ser, o não ser não é coisa alguma, ele pensa que, necessariamente, existe uma única coisa, o ser, e nada mais: questão esta acerca da qual já falamos mais claramente nos livros da Física. Constrangido, porém, a seguir os fenômenos e a dizer que a unidade existe segundo a razão e a pluridade segundo os sentidos, chegou a estabelecer duas novas causas e dois princípios: o quente e o frio, como se dissesse o fogo e a terra. Destes, reporta o primeiro, o quente, ao ser, e o outro, ao não ser. (12) Do que se disse, e dos filósofos que já se associaram ao nosso estudo, é isto, portanto, o que colhemos: os primitivos admitem um princípio corpóreo (a água, o fogo e coisas análogas são, pois, corpos), sendo este princípio corpóreo para uns, uno, para outros, múltiplo, mas considerando-o uns e outros da natureza da matéria; outros, porém, admitem quer esta causa, quer a causa de que provém o movimento, esta também única para alguns, dupla para outros. (13) Até os itálicos, exclusive, os outros [filósofos] pronunciaram-se, portanto, com certa insuficiência sobre tais [princípios], se excetuarmos, como dissemos, que recorreram a duas causas, sendo uma delas, a do movimento, considerada única por uns, dupla por outros. Os pitagóricos igualmente falaram em dois princípios, mas com este acrescento que lhes é peculiar: o finito, o infinito e o uno não seriam naturezas diferentes, tais como o fogo, a terra ou outra coisa parecida, mas o próprio infinito e o próprio uno são a substância das coisas de que se predicam, sendo portanto o número a substância de todas as coisas. (14) Tal é a maneira como eles se pronunciaram, e a propósito do "que é" começaram eles a falar e a definir, mas procedendo com demasiada simplicidade. Definiram, pois, superficialmente, e aquilo em que a definição dada primeiro se encontrasse, consideravam-no eles como a substância da coisa: como se fosse possível identificar a dualidade com o duplo pelo fato de o duplo se encontrar primeiro na dualidade. Mas talvez não seja a mesma coisa ser duplo e dualidade; doutra forma, o uno seria uma multiplicidade, conclusão esta à qual eles também chegaram. É isto o que dos primeiros [filósofos] e seus sucessores podemos colher. CAPÍTULO VI Às filosofias de que acabamos de falar sucedeu a doutrina de Platão, a maior parte das vezes conforme com elas, mas também com elementos próprios alheios à filosofia dos itálicos. Tendo-se familiarizado, desde a sua juventude, com Crátilo e com as opiniões de Heráclito, segundo as quais todos os sensíveis estão em perpétuo fluir, e não pode deles haver ciência, também mais tarde não deixou de pensar assim. Por outro lado, havendo Sócrates tratado as coisas morais, e de nenhum modo do conjunto da natureza, nelas procurando o universal e, pela primeira vez, aplicando o pensamento às definições, Platão, na esteira de Sócrates, foi também levado a supor que [o universal] existisse noutras realidades e não nalguns sensíveis. Não seria, pois, possível, julgava, uma definição comum de algum dos sensíveis, que sempre mudam. (2) A tais realidades deu então o nome de "ideias", existindo os sensíveis fora delas, e todos denominados segundo elas. É, com efeito, por participação que existe a pluralidade dos sinônimos, em relação às ideias, Quanto a esta "participação", não mudou senão o nome: os pitagóricos, com efeito, dizem que os seres existem à imitação dos números, Platão, por "participação" mudando o nome; mas o que esta participação ou imitação das ideias afinal será, esqueceram todos de o dizer. (3) Demais, além dos sensíveis e das ideias diz que existem, entre aqueles e estas, entidades matemáticas intermédias, as quais diferem dos sensíveis por serem eternas e imóveis, e das ideias por serem múltiplas e semelhantes, enquanto cada ideia é, por si, singular. Sendo as ideias as causas dos outros seres, julgou por isso que os seus elementos fossem os elementos de todos os seres; (4) e, como matéria, são princípios o grande e o pequeno, como forma é o uno, visto ser a partir deles, e pela sua participação no uno, que as ideias são números. Ora, que o uno seja substância, e não outra coisa, da qual se diz que é una, Platão afirma-o de acordo com os pitagóricos e, do mesmo modo, que os números sejam as causas da substância dos outros seres. Mas admitir, em lugar do infinito concebido como uno, uma díada, e constituir o infinito com o grande e o pequeno, eis uma concepção que lhe é própria, como ainda pôr os números fora dos sensíveis: [os pitagóricos] pelo contrário, pretendem que os números são as próprias coisas, se bem que não ponham, entre estas, as entidades matemáticas. (5) Se Platão separou assim o uno e os números do mundo sensível, contrariamente aos pitagóricos, e introduziu as ideias, foi por consideração das noções lógicas (os seus predecessores nada sabiam de dialética); por outro lado, se ele fez da díada uma segunda natureza, é porque os números, à exceção dos ímpares, dela facilmente derivam, como de uma matéria plástica. (6) De fato, é o contrário que se dá, pois se assim fosse não seria consentâneo com a razão. Da matéria, com efeito, [os números] fazem sair uma multiplicidade de coisas, ao passo que a ideia só gera uma vez. Assim, de uma só matéria, só se aparelha uma mesa; mas quem aplica uma ideia, se bem que esta una, produz várias [mesas]. O mesmo sucede com o macho em relação à fêmea: esta é fecundada por uma única cópula, mas o macho fecunda várias fêmeas. Ora, isto é imitação daqueles princípios. (7) Tal é, pois, a conclusão de Platão sobre as questões que indagamos. É evidente, pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do "que é" e da que é segundo a matéria, sendo as ideias a causa do que é para os sensíveis, e o uno para as ideias. E qual a matéria subjacente, segundo a qual as ideias são predicadas nos sensíveis e o uno nas ideias? É a díada, o grande e o pequeno. (8) Demais, ele pôs num destes dois elementos a causa do bem e no outro, a do mal, o que, como dissemos, já havia sido objeto de discussão de alguns dos filósofos anteriores, como Empédocles e Anaxágoras. CAPÍTULO VII Acabamos de passar em revista, breve e sumariamente, os [filósofos] que trataram dos princípios e da verdade e como [o fizeram], podendo assim concluir-se, relativamente aos que trataram do princípio e da causa, que nenhum discorreu fora das [causas] que nós determinamos na Física, e todos, embora confusamente, parecem tê-las como que pressentido. (2) Com efeito, alguns falam do princípio como matéria, quer o façam uno ou múltiplo, corpóreo ou incorpóreo: por exemplo, para Platão, é o grande e o pequeno, para os itálicos, o indeterminado, para Empédocles, o fogo, a terra, a água e o ar, para Anaxágoras, a infinidade das homoemerias. Todos eles entreviram esta espécie de causa, como também aqueles para os quais é o ar, ou o fogo, ou a água, ou um elemento mais denso que o fogo e mais sutil que o ar. Tal é, pois, no dizer de alguns, o elemento primitivo. (3) Estes últimos, portanto, não atingiram senão esta causa [material]; outros, porém, aquela donde é o princípio do movimento: por exemplo, os que põem a amizade ou a discórdia, a inteligência ou o amor como princípio. Mas a quididade e a substância ninguém a atingiu com clareza, embora de mais perto dela se aproximem os que admitem as ideias. Com efeito, eles não consideram as ideias como matéria dos sensíveis, nem o uno [como matéria] das ideias, nem estas são para eles o princípio do movimento (seriam antes, dizem eles, causas de imobilidade e de repouso): pelo contrário, as ideias dão a cada uma das outras coisas a quididade, como o uno [dá a essência] às ideias. (4) E quanto àquilo em vista de que as ações, as mudanças e os movimentos [se efetuam], num certo sentido, admitem-no como causa, mas não explicitamente, nem dizem como se originou. Com efeito, os que falam da inteligência ou da amizade apresentam estas causas como um bem, e não como o fim pelo qual algum ser existe ou se modifica, antes, pelo contrário, como se os seus movimentos delas derivassem. (5) Da mesma maneira, também os que afirmam que o uno ou o ser é desta natureza dizem que é a causa da substância, mas não que é em vista desta [causa] que as coisas são ou devêm. Sucede-lhes assim, de alguma sorte, dizer e não dizer que o bem é causa; dizem-no, com efeito, não absolutamente, mas por acidente. (6) Que nós tenhamos retamente definido as causas, tanto no que interessa ao seu número como à sua natureza, parecem confirma-lo também todos aqueles que não conseguiram descobrir outra causa diversa. É, além disto, evidente que os princípios devem ser estudados, ou todos assim, ou em qualquer uma destas maneiras. Resta-nos agora expor as dúvidas relativas à maneira como cada um daqueles [filósofos] se exprimiu, e à sua atitude para com os princípios. CAPÍTULO VIII Todos aqueles para quem o Universo é uno e que admitem certa natureza única como matéria, e esta corporal e provida de extensão, caem evidentemente em muitos erros. Com efeito, somente estabelecem os elementos dos corpos, e não os dos incorpóreos, embora existam também os incorporais. (2) E depois, esforçando-se por explicar as causas da geração (e da corrupção) e para dar uma explicação da natureza do Universo, omitem o princípio do movimento. (3) Além disto, não reconhecem por causa nem a substância nem o "que é" e adotam, de mais, levianamente, como princípio dos seres qualquer corpo simples, com exceção da terra, sem tomarem em consideração como os elementos mutuamente se geram, tais como o fogo, a água, a terra e o ar, os quais nascem uns dos outros, quer por união, quer por separação. (4) Ora, isto é fundamental para se estabelecer a anterioridade ou a posterioridade. Com efeito, poderia parecer mais elementar de todos aquele corpo a partir do qual primeiramente os outros se geram por união, e esse [corpo] deveria ser o mais tênue e o mais sutil dos corpos. Portanto, os que põem o fogo como princípio falariam de maneira mais conforme com este conceito. (5) No fundo, todos os outros também reconhecem que o elemento dos corpos deve ser de tal maneira. Pelo menos, nenhum dos que mais tarde admitiram um único elemento pensou que a terra fosse esse elemento, sem dúvida por causa da grandeza das suas partes, ao passo que cada um dos três outros elementos encontrou o seu defensor: para uns, com efeito, este [elemento] é o fogo, para outros, a água, para outros, o ar. Mas por que razão não admitem eles também a terra, como a maior parte dos homens? Diz-se, com efeito, que tudo é terra, e Hesíodo até cantou que a terra foi a primeira gerada dentre os corpos: tão antiga e popular esta crença devia ser! (6) Segundo tal maneira de ver, portanto, nem os que admitem outro princípio além do fogo, nem os que o fazem mais denso que o ar e mais sutil que a água dizem bem. Mas se o que é posterior segundo a geração é anterior pela natureza, e o que é misturado e composto é posterior segundo a geração, será então verdade o contrário: a água será anterior ao ar, e a terra à água. (7) Tanto baste sobre os [filósofos] que estabeleceram a causa única que dizíamos. O mesmo diga-se daqueles que as admitem em número maior, como Empédocles, que reconheceu quatro corpos como matéria. Resultam-lhe, porém, em parte as mesmas dificuldades, em parte outras. Vemos, com efeito, estes corpos nascerem uns dos outros, precisamente como se o mesmo corpo não subsistisse sempre fogo ou terra (e disto já se falou nos livros da Natureza). Quanto à causa das coisas em movimento, a questão de saber se se deve reconhecer uma [causa] ou duas não parece ter sido convenientemente resolvida, nem por forma inteiramente racional. (8) Finalmente, os que assim falam devem necessariamente rejeitar toda a alteração, não podendo o úmido provir do quente, nem o quente do úmido. Qual seria, pois, o sujeito destes contrários, e qual a natureza única que se tornaria fogo e água? Empédocles não o diz. (9) Quanto a Anaxágoras, poderia alguém supor que ele reconheceu dois elementos, o que estaria de acordo com uma razão que ele não formulou, mas que deveria forçosamente admitir, se lhe tivesse sido apresentada. É, na verdade, absurdo sustentar que, na origem, tudo estaria misturado, quer porque tudo deveria ter preexistido distinto, quer porque nem tudo é feito para se misturar com outra coisa qualquer e, enfim, porque a modificação e os acidentes existiriam separados das substâncias (com efeito, mistura e separação dizem respeito às mesmas coisas). No entanto, se alguém o acompanhasse, desenvolvendo as suas ideias, o seu pensamento talvez tomasse um caráter mais original. (10) Com efeito, quando nada havia de distinto, nada, evidentemente, se podia afirmar de verdadeiro acerca daquela substância; quero dizer que ela não era branca, nem preta, nem cinzenta, nem de qualquer outra cor, mas, necessariamente, incolor, de outra forma teria tido alguma destas cores. Igualmente, e pela mesma razão, ela não teria nenhum sabor, nem qualquer outra propriedade deste gênero, pois não podia ser nem "qual", nem "quanta", nem "que"; de outra forma ser-lhe-ia inerente alguma das espécies que se predicam separadamente, o que é impossível, se todas as coisas se encontram misturadas: assim, seriam, pois, já distintas. Mas, para ele, nada existe sem mistura, à exceção da inteligência, que, só, é pura e sem mescla. (11) Acontece-lhe, desta maneira, admitir [simultaneamente] como princípios o "uno" (que é simples e sem mistura) e o "outro", como nós admitimos o indeterminado antes de vir a ser determinado e de participar de uma espécie qualquer. Por conseguinte, ele não se exprime com exatidão, nem com clareza; aproxima-se, contudo, das doutrinas posteriores, e das opiniões que atualmente se impõem. (12) Todos eles, porém, ocupam-se somente do que diz respeito à geração, à corrupção e ao movimento, pois limitam-se quase exclusivamente a investigar as causas e os princípios desta substância; mas os que estendem a sua especulação a todos os seres e distinguem seres sensíveis dos não sensíveis alargam, evidentemente, as suas observações às duas espécies [de seres] . É portanto com eles que alguém poderia de preferência deter-se, para apreciar o que dizem de bom ou de mau, relativamente aos pontos que ainda nos restam para tratar. (13) Os que são chamados pitagóricos recorrem a princípios e a elementos ainda mais afastados que os dos fisiólogos. A razão é que eles buscam os princípios fora dos sensíveis: as entidades matemáticas, com efeito, entram na classe dos seres sem movimento, à exceção daqueles de que trata a astronomia. (14) No entanto, de nada mais discutem e de nada mais tratam senão da natureza. Dão geração ao céu, observam o que se passa nas suas diferentes partes e respectivas modificações e revoluções, e em tais fenômenos eles esgotam os princípios e as causas, como se partilhassem a opinião dos outros fisiólogos, para quem o ser é tudo o que é sensível, e contido no que chamamos céu. Estas causas e estes princípios julgam-nos, no entanto, como acabamos de dizer, capazes de os elevarem até aos seres superiores e aos quais melhor se adaptam, do que à teoria sobre a natureza. (15) Contudo, também não explicam de que maneira se produza o movimento, havendo como sujeito unicamente o finito e o infinito, o ímpar e o par; nem tampouco como seria possível, sem movimento e sem mudança, a geração e a corrupção, ou as revoluções dos corpos que andam no céu. (16) Concedamos-lhes ainda, ou admitamos como demonstrado, que a grandeza resulta destes princípios; como explicar, então, que haja corpos leves e pesados? Com efeito, com os princípios que supõem e admitem, eles não discorrem mais sobre as entidades matemáticas que sobre os sensíveis. Se, por conseguinte, nunca falam no fogo, na terra e noutros corpos parecidos, a razão é, suponho, que nada têm que dizer dos sensíveis. (17) Além disto, como conceber que as modificações do número e o próprio número são as causas dos corpos que existem no céu, ou venham porventura a existir, desde o princípio e hoje ainda, e que não há nenhum outro número fora deste, do qual o próprio Universo resulta? Quando, com efeito, admitem em tal parte [do Universo] a opinião e a oportunidade e, um pouco mais abaixo ou acima, a injustiça e a separação ou a mistura, e trazem como prova disto que cada uma destas coisas é um número, embora aconteça que, num dado lugar, já se encontra uma multiplicidade de grandezas compostas, pelo fato de tais modificações estarem em relação com os lugares particulares, então, este número que está no Universo deve considerar-se [o mesmo que o de] cada uma destas coisas ou haverá, além dele, outro? (18) Platão diz que é outro, embora acredite que estas coisas e suas causas também são números, sendo porém as causas números inteligíveis, e as coisas [números] sensíveis. CAPÍTULO IX Deixemos agora de falar dos pitagóricos: baste o que deles dissemos. Os que põem as ideias como causas, enquanto pretendiam individuar, a princípio, as causas dos seres deste mundo, introduziram outros seres em número igual: como quem, procurando fazer uma conta, julgasse que a não poderia fazer com poucas cifras e as aumentasse para a poder fazer. As ideias, com efeito, são em número quase igual, ou pouco inferior, ao dos sensíveis, dos quais, procurando as respectivas causas, eles partiram para chegar às ideias. Cada coisa tem, pois, a sua equívoca, tão fora das substâncias, como das outras entidades, cuja unidade é contida na multiplicidade, sejam elas sensíveis ou eternas. (2) Além disto, por nenhum dos argumentos, mediante os quais nós demonstramos que as ideias existem, elas se nos manifestam. De alguns, com efeito, esta conclusão não deriva necessariamente; de outros, derivam até ideias de coisas que, a nosso ver, não as têm. Assim, pelos argumentos tirados das ciências, deverá haver ideias de todas as coisas de que há ciência, e, pelo [argumento] da unidade na multiplicidade, também [haverá ideias) das negações; enfim, pelo argumento de que pensamos qualquer coisa mesmo depois de corrupta, [haverá) igualmente [ideias) dos corruptíveis. Também destes, com efeito, temos representação. (3) Quanto aos raciocínios mais rigorosos, uns levam-nos a introduzir as ideias dos relativos, dos quais afirmamos não haver gênero por si, outros ao terceiro homem. Em geral, estes argumentos das espécies arruínam aquilo que, aos partidários das ideias, importa ainda mais do que a existência das próprias ideias. Resulta daí, com efeito, que não é anterior a díada, mas sim o número, que o relativo precede o absoluto, e que todos os argumentos, pelos quais alguns desenvolvem as doutrinas das ideias, contradizem os próprios princípios. (4) Demais, segundo a concepção pela qual nós admitimos as ideias, não só haverá ideias das substâncias, mas também de muitas outras coisas (com efeito, a intelecção una não se dá somente em relação às substâncias, mas em relação a outras coisas ainda, nem as ciências tratam unicamente da substância, mas também de outras coisas, e assim para mil outros casos parecidos). Por outro lado, a rigor da lógica e da própria doutrina das ideias, se estas são participáveis, haverá, forçosamente, ideias apenas das substâncias. Com efeito, elas não participam por acidente, mas em tanto tal participação deve dar-se para cada uma, em quanto ela não é predicada do sujeito. Quero com isto dizer que se um ser participa do duplo em si, ele participa também do eterno, mas por acidente, por ter [simplesmente] acontecido ao duplo ser eterno. (5) Não haverá, portanto, ideias senão da substância. Assim, uma mesma coisa designará a substância tanto aqui [entre os sensíveis] como acolá [entre os inteligíveis] ; de outra forma, que significado teria a afirmação de que existe qualquer coisa além dos sensíveis, o uno na multiplicidade? E se é idêntica a espécie das ideias e das coisas que delas participam, haverá também [entre umas e outras] qualquer coisa de comum. Com efeito, por que sobre as díadas corruptíveis, também múltiplas mas eternas, haverá uma unidade e identidade, a diada, e não sobre a díada em si e qualquer díada particular? Se, pelo contrário, a espécie não é a mesma, serão então equívocas, como se se chamasse "homem", ao mesmo tempo, a Cálias e à madeira, sem nada ter observado entre eles de comum. (6) Mas, em particular, não poderíamos dizer o que conferem as ideias aos sensíveis, sejam eternos ou sujeitos à geração e à corrupção, pois elas não são, para estes, causa de qualquer movimento ou modificação. (7) Também não são de nenhum auxílio para a ciência dos outros seres (com efeito, não são a substância deles, de outra forma estariam neles), nem para a sua existência, porque não existem nos seres em que participam. Talvez possam parecer causas, como o branco o é da composição da coisa branca. Mas este argumento, que Anaxágoras indicou primeiramente e, em seguida, Eudoxo e outros, é muito frágil, pois é fácil opor-lhe objeções inúmeras e "por absurdo". (8) Das ideias, portanto, e em nenhuma das formas que se costumam afirmar, não podem provir as outras coisas. Quanto a dizer-se que elas são exemplares e que as outras coisas participam delas, é pronunciar palavras ocas e fazer metáforas poéticas: qual é, pois, o agente que olha para as ideias? É; com efeito, possível que uma coisa qualquer exista, ou venha a existir, à semelhança de outra, sem ser contudo modelada sobre esta. Assim, exista ou não Sócrates, poderia sempre nascer um homem parecido com Sócrates, nem haveria diferença, evidentemente, se Sócrates fosse eterno. (9) Haveria, além disto, para um mesmo ser, vários exemplares, e, por conseguinte, várias ideias [do mesmo ser]: por exemplo, do homem seria o Animal, o Bípede e, ao mesmo tempo, o Homem em si. (10) Demais, não é apenas dos sensíveis que as ideias seriam exemplares, mas também das próprias ideias: o gênero, por exemplo, [será,] enquanto gênero, [o exemplar] das espécies [contidas no gênero], e a mesma coisa será, assim, exemplar e imagem. (11) Parece, além disto, impossível que existam separadamente a substância e aquilo de que ela é substância: neste caso, as ideias, que são as substâncias das coisas, como existiram separadas delas? No Fédon, porém, afirma-se que as ideias são causas e do ser e do devir. (12) Todavia, ainda que as ideias existam, os seres que delas participam não são gerados se não houver um [primeiro] motor, por outro lado, muitas outras coisas aparecem, uma casa, por exemplo, ou um anel, sem que delas se afirme que há espécie. Por conseguinte, é evidente que também outras coisas podem existir e devir, mediante causas análogas às dos objetos de que temos agora falado. (13) Além disto, se as ideias são números, como seriam causas? Será porventura porque os seres são números diferentes, e tal número, por exemplo, é homem, tal outro é Sócrates, tal outro Cálias? E porque, então, aqueles seriam causas destes? Que uns sejam eternos e os outros não, de certeza, pouco importa. Se, pelo contrário, por serem os sensíveis como as harmonias, uma razão de números, então é evidente que deve haver alguma coisa da qual são razões. (14) Se, portanto, esta alguma coisa, a matéria, é "qualquer" coisa, é evidente que também os próprios números serão relações de uma coisa para outra. Quero dizer, se Cálias é uma razão numérica de fogo, terra, água e ar, também a ideia será [razão] numérica de outros sujeitos diferentes, e o homem em si, quer seja um número ou não, será sempre uma relação em números, e não número. Não haverá, portanto, número algum. (15) Demais, de muitos números forma-se um número, mas de [muitas] ideias, como [gerar] uma ideia única? E se não é dos números, mas dos numeráveis por exemplo, da miríada, [que o número se compõe,] qual será então a razão das mônadas? Se elas são, com efeito, da mesma espécie, seguir-se-ão muitos absurdos, e se o não são, [igualmente se seguirão] quer sejam diferentes uma da outra, quer a respeito de todas. Com efeito, sendo impassíveis, em que diferirão? Estes conceitos não são, pois, consequentes, nem conformes à razão. (16) Será, além disto, necessário constituir outra espécie de números, que será o objeto da aritmética e de todas aquelas [entidades] a que alguns chamam intermédias. E estas, como existem? E de que princípios provirão? E por que haverá intermediários entre os sensíveis e as ideias? (17) Demais, as mônadas contidas na díada provirão, cada uma, de uma díada anterior, o que é impossível. E também, por que o número composto [de unidades] seria uno? Acrescente-se ao que acabamos de dizer que, se as mônadas são diferentes, conviria então falar como os que admitem quatro ou dois elementos. Com efeito, cada um deles não chama elemento ao que é comum, por exemplo, o corpo, mas ao fogo e à terra, quer esse corpo seja algo de comum, quer não [o seja]. Na realidade, porém, fala-se como se o uno fosse, tal como o fogo ou a água, um composto de partes similares. A ser assim, os números não serão substâncias; ora, é claro que, se o uno em si existe e é princípio, entende-se de várias maneiras, nem haveria outra possibilidade. (18) Quando, em seguida, queremos reduzir as substâncias aos princípios, nós imaginamos os comprimentos a partir do curto e do comprido, isto é, uma forma do pequeno e do grande, a superfície a partir do largo e do estreito, e o corpo, a partir do alto e do baixo. (19) Todavia, como poderá a superfície conter uma linha, ou o sólida uma linha e uma superfície? O largo e o estreito, pois, são de um gênero, e de outro o alto e o baixo. Da mesma maneira, portanto, que o número não está nestes, porque o muito e o pouco são qualquer coisa de diferente deles, também nenhum dos gêneros superiores existirá, evidentemente, nos inferiores. Nem podemos dizer que o largo seja um gênero do profundo, porque, então, o corpo seria uma superfície. (20) E os pontos, donde provirão? Contra esta noção [de ponto] se insurgiu Platão, como sendo um dogma geométrico, e chamando-lhes "princípios da linha" e, muitas vezes, "linhas insecáveis". No entanto, é necessário que estas tenham um limite: de modo que, pelas mesmas razões que há linhas, há também pontos. (21) Duma maneira geral, como a filosofia investiga a causa dos sensíveis, é precisamente isto que nós deixamos de lado (nada, pois, afirmamos da causa, que é o princípio da mutação), e, julgando explicar a substância dos mesmos [sensíveis], admitimos, na realidade, a existência de outras substâncias. Mas, como estas [substâncias] sejam as substâncias daquelas, explicamo-lo com palavras vãs, porque "participar", como mais acima dissemos, nada significa. Tampouco as ideias têm qualquer relação com aquilo que dissemos ser o princípio das ciências, e em vista do qual toda a inteligência e a natureza operam, nem com aquela causa que afirmamos ser um dos princípios: as matemáticas tomaram-se, para os [filósofos] do nosso tempo, a [única] filosofia, embora eles protestem que é em função das outras ciências que se devem cultivar. (22) Além disto, poderia alguém considerar a substância subjacente como uma matéria mais matemática, [podendo] ser predicada e, até, ser, uma diferença da substância e da matéria, mais do que uma matéria: por exemplo, o grande e o pequeno, como o raro e o denso, de que falam os fisiólogos, e que eles dizem constituir as primeiras diferenças do sujeito. Com efeito, são uma espécie de excesso e de defeito. (23) Quanto ao movimento, se estas [determinações] são movimento, é evidente que as ideias também se deverão mover; e se não, donde é que ele veio? Cairia assim o estudo inteiro da natureza. (24) Outra coisa que também parece fácil de demonstrar, a saber, tudo o que existe se reduz à unidade, efetivamente não o é. Com efeito, por ectese, nem tudo se torna uno, mas somente o próprio, se contudo nada lhe tirarmos. Mas isto também não é admissível, a não ser que se conceda que o universal é um gênero, o que, em certos casos, é impossível. (25) E também não têm explicação as noções posteriores aos números, a saber, os comprimentos, as superfícies e os sólidos, nem como elas existem ou poderão existir, nem qual é a sua função. Com efeito, não podem ser ideias (visto que não são números), nem intermédios (o que são somente as entidades matemáticas), nem corruptíveis; dar-se-ia, assim, novamente, um quarto gênero diferente. (26) Em geral, procurar os elementos dos seres sem os distinguir, apesar de serem múltiplas as suas acepções, é impossibilitar-se de os encontrar, sobretudo se, desta forma, investigarmos de que [elementos] são constituídos. Assim, de quais [resulta] o fazer, o padecer ou o direito não é, por certo, fácil determinar; e, se o fosse, somente o seria para as substâncias. Portanto, procurar os elementos de todos os seres, ou pensar em os ter achado, é uma ilusão. (27) Mas como poderia alguém chegar a conhecer os elementos de todas as coisas? Sem dúvida, não os pode conhecer com anterioridade: assim, quem está a aprender geometria, pode já conhecer outras coisas, mas não do objeto da disciplina em questão, e que ele se propõe aprender. E da mesma forma para tudo o mais. (28) E se, por outro lado, existe, como alguns pretendem, uma ciência de todas as coisas, então [quem a aprende] nada poderá conhecer antes de começar. No entanto, toda a disciplina se adquire por conhecimentos prévios, total ou parcialmente, quer ela proceda por demonstração, quer por definição, pois é preciso que os elementos de que a definição procede sejam pré-conhecidos e familiares. Igualmente para a ciência que existe por indução. Mas se, por acaso, ela nos fosse inata, seria maravilhoso que, sem o sabermos, possuíssemos a mais excelente das ciências. (29) E demais, como seria possível conhecer de que resultam [as coisas], e como nos certificaríamos disso? Também aqui há, pois, uma dificuldade. Poder-se-ia, com efeito, discutir a propósito de certas sílabas. Uns dizem, por exemplo, que o ZA vem do S, mais D e A; outros pretendem que é um som diferente, e que não é nenhum dos conhecidos. (30) Enfim, os sensíveis, como os poderíamos conhecer, sem termos deles a sensação? Ora, isto deveria [ser possível], se os elementos de todas as coisas, dos quais [tudo deriva], são os mesmos, como os sons compostos resultam dos [elementos] que lhes são próprios. CAPÍTULO X Que as causas enumeradas na Física são as próprias que todos parecem procurar, e que fora delas nenhuma mais poderíamos indicar, resulta também das considerações [dos filósofos] que nos precederam. Fizeram-no, contudo, confusamente, e, sob certo sentido, já foram todas tratadas [antes de nós], sob outro, não. A um balbuciante parece-se, portanto, a primitiva filosofia em tudo, por ser ainda nova e no seu início. (2) Empédocles afirma até que o osso existe pela proporção, o que [para nós] é a quididade e a substância da coisa. Do mesmo modo é necessário que haja também uma proporção da carne e de cada um dos outros elementos, ou então de nenhum, pois é em razão disso que a carne, o osso e cada um destes outros elementos existem, e não em razão da matéria a que eles chamam fogo, terra, água, ar. Ele, porém, se alguém lho tivesse explicado, tê-lo-ia forçosamente admitido, mas não se pronunciou claramente. (3) Sobre estes pontos nos temos já manifestado anteriormente. Agora, voltemos às dificuldades que sobre os mesmos poderia alguém levantar, o que talvez nos possa servir para outras questões que sobrevenham. LIVRO II CAPÍTULO I A especulação acerca da verdade é, num sentido, difícil, noutro, fácil: a prova é que ninguém a pode atingir completamente, nem totalmente afastar-se dela, e que cada [filósofo] tem algo que dizer sobre a natureza, nada ou pouco acrescentando cada um à verdade, embora se faça do conjunto de todos uma boa colheita. De sorte que parece dalgum modo acontecer como no caso do provérbio: "quem não acertaria [com a flecha] na porta?" (2) Assim considerado, [este estudo] seria, portanto, fácil, Mas o fato de podermos atingir o conjunto, e não as partes, mostra a sua dificuldade. Porém, como há duas espécies de dificuldades, a origem delas talvez não esteja nas coisas, mas em nós próprios. Da mesma maneira, com efeito, que os olhos dos morcegos se comportam para a luz do dia, igualmente o lume da nossa alma [se comporta] para as coisas por natureza mais claras. (3) É, pois, de justiça mostrarmo-nos reconhecidos não só para com aqueles cujas doutrinas partilhamos, mas ainda para com aqueles que mais superficialmente se exprimiram: também estes, com efeito, deram a sua contribuição, pois exercitaram o nosso hábito. Se Timóteo não tivesse existido, não possuiríamos muitas melodias, e sem Frínico, Timóteo não teria existido. O mesmo se dá também com os que se expressaram acerca da verdade, pois de alguns [deles] temos recebido certas opiniões, mas os outros foram causa de os primeiros terem surgido. (4) É pois com direito que a filosofia é também chamada a ciência da verdade: o fim da [ciência] especulativa é, com efeito, a verdade, e o da [ciência] prática, a ação; porque, se os práticos consideram o como, não consideram o eterno, mas o relativo e o presente. E nós não conhecemos o verdadeiro sem [conhecer] a causa. (5) Demais, aquilo que, em grau maior, participa [da natureza] dos outros [seres é aquilo] segundo o qual se dá neles o unívoco, como o fogo é o quentíssimo por ser nos outros [seres] a causa do calor; e é o veríssimo o que nos seus posteriores é a causa de eles serem verdadeiros. Por isso é necessário que os princípios dos seres eternos sejam sempre veríssimos: não são pois verdadeiros somente em tal momento, nem há para eles alguma causa do seu ser; são, pelo contrário, eles próprios [a causa] para os outros. Por conseguinte, quanto cada coisa tem de ser, tanto [tem] de verdade. CAPÍTULO II É, por outro lado, evidente que há um princípio e que as causas dos seres não são infinitas, nem em sentido reto, nem segundo a espécie. Com efeito, não é possível que, como da matéria, isto proceda daquilo até ao infinito, por exemplo, a carne da terra, a terra do ar, o ar do fogo e isto sem parar; nem quanto àquilo donde é o movimento, sendo por exemplo o homem movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol pela discórdia, sem que disto haja um limite. (2) Igualmente, também para a causa "para que" não podemos ir até o infinito [e afirmar que] o passeio é em vista da saúde, esta, da felicidade, a felicidade doutra coisa, e que tudo é assim sempre em vista de outra coisa. E analogamente para a quididade (3) Com efeito, postos os intermédios, fora dos quais existe um último e um primeiro, o anterior é necessariamente a causa dos que são depois dele. E se nós tivéssemos de dizer qual dos três é a causa, responderíamos que o primeiro: não será seguramente o último, porque o último não é [causa] de nada, nem tampouco o intermédio, que o é de um só. (4) Pouco importa, aliás, que haja um ou mais [intermédios], e que sejam infinitos ou finitos. Ora, dos infinitos assim concebidos, e do infinito em geral, todos os termos são igualmente intermédios até ao atual; de forma que, se nenhum é primeiro, não há absolutamente causa alguma. (5) Mas também a descer não é possível chegar ao infinito (dado que existe um princípio ascendente) por forma que a água proceda do fogo, a terra da água e, assim de seguida, se gere sempre mais algum gênero. Em duas maneiras, com efeito, "isto" vem "daquilo", quando se não entenda dizer "isto" depois "daquilo", como [se se dissesse] depois dos Ístmicos os Jogos Olímpicos, ou como, da criança, que se transforma, o homem, ou da água, o ar. (6) Ora, nós dizemos que o homem vem da criança como o já gerado do que está a ser gerado, ou o já completo do que se está completando, pois sempre há um intermédio, como entre o ser e o não ser, o devir. e o que se está gerando, entre o que ê e o que não é. (7) É pois quem aprende um [indivíduo] que devém sábio, e isto significamos ao dizer que do discípulo vem o sábio. Pelo contrário, [a procedência] como a água do ar [dá-se] pela destruição de um dos dois. Por isso, os [dois] primeiros não se sobrepõem reciprocamente, nem do homem se refaz a criança, porque o gerado não vem da própria geração, mas depois da geração. É assim, pois, que também o dia [é gerado] da aurora, porque vem depois dela, e, por isso, a aurora não [vem] do dia. Os outros, pelo contrário, sobrepõem-se. (8) Mas, em ambos os casos, é impossível proceder até ao infinito: no primeiro, havendo intermédios, há necessariamente um fim, e, no segundo, revertem um ao outro: com efeito, a corrupção de um é a gênese do outro. Ao mesmo tempo, é também impossível que o primeiro, sendo eterno, se corrompa, pois não sendo a geração para cima infinita, é necessário que aquilo, pela prévia corrupção do qual alguma coisa se gera, não seja eterno. (9) Demais, a causa "para que" é um fim, e tal que ela não existe em vista de outra coisa, mas as outras em vista dela; de sorte que, se existe tal [termo] final, não haverá infinito, e, se não [há] nada disto, não haverá a causa "para que". Porém, os que admitem o infinito destroem, sem se aperceberem, a própria natureza do bem. E todavia ninguém empreenderia alguma coisa se não devesse chegar a um termo, nem haveria inteligência em tais ações. É sempre, com efeito, em vista de alguma coisa que opera o homem racional, e isto é o termo, visto o fim ser um termo. (10) Mas também a quididade se não pode reverter a outra definição mais ampla na sua expressão, pois a mais próxima é sempre a mais própria, e a que se segue não o é; ora, aquilo cujo primeiro [termo] não existe também não tem o sucessivo. (11) Ainda mais, os que tal afirmam destroem o próprio saber, porque não é possível saber antes de chegarmos aos indivisos. Até o próprio conhecer se torna impossível: com efeito, os que são infinitos desta forma, como é possível pensá-los? Não é o mesmo que na linha, a qual nunca para nas suas divisões, mas que se não pode pensar se não se fizer uma paragem. Por isso, não conseguirá numerar as suas seções quem a percorra indefinidamente. (12) Mas também a matéria é necessário pensá-la em qualquer coisa que se mova. Porém, nenhum infinito pode existir, doutra forma a infinidade Não pode ser infinita. (13) E, ainda que as espécies das causas fossem em número infinito, mesmo assim não seria possível o conhecer, porquanto nós pensamos saber quando conhecemos as causas: ora o infinito por adição não pode ser percorrido num tempo finito. CAPÍTULO III As audições dependem dos hábitos. Com efeito, naquela maneira em que estamos habituados, assim julgamos que se nos deve falar, e tudo o que for fora disto já não nos parece o mesmo e, por desusado, torna-se-nos mais obscuro e estranho; o habitual é, pois, o mais conhecido. (2) E qual força tenha hábito, mostram-no as leis, nas quais fabuloso e o pueril têm, pela virtude do hábito, maior poder do que o conhecimento das mesmas. (3) Assim, uns, se alguém não emprega uma linguagem matemática, não aceitam as suas afirmações; outros, se não se serve de exemplos; outros querem que, como testemunho, se cite um poeta; outros querem tudo rigorosamente [demonstrado] e outros não querem saber de rigor, ou por não o poderem compreender, ou pelo receio do palavreado. O rigor tem, com efeito, um pouco disto, por forma que se afigura a alguns como menos próprio, quer nos contratos, quer nas discussões. (4) É por isso que importa saber como cada coisa se deve aceitar, pois é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da ciência: nenhum deles, pois, é fácil de apreender. Nem o rigor matemático se deve exigir em todas as coisas, mas somente naquelas que não têm matéria. Por isso este método não é "físico", porque toda a natureza contém, porventura, matéria. Vem daí que devemos primeiro considerar o que é a natureza; tornar-se-á, desta forma, manifesto [o objeto] de que trata a Física < e se compete a uma única ciência, ou a várias, estudar as causas e os princípios >. LIVRO 4 1 Há certa ciência que teoriza o ente enquanto ente e o quanto recai sob seu domínio por si mesmo. Esta, porém, não é nenhuma das ciências chamadas setoriais; pois nenhuma das outras investiga universalmente o ente enquanto ente, mas, tendo elas seccionado alguma parte sua, teorizam acerca do ente o que lhe é coincidente, como, por exemplo, as ciências matemáticas. Posto, ainda, que buscamos os princípios e as mais elevadas causas, é claro que estes são necessariamente de alguma natureza por si mesma. Se de fato também os que buscavam os elementos dos entes buscavam estes princípios, é necessário, então, que os elementos do ente não sejam por coincidência mas enquanto entes. Por isso devemos apreender as primeiras causas do ente enquanto ente. 2 Porém, o ente se diz de muitas maneiras, mas relativo a uma unidade, isto é, a certa natureza única, e não por homonímia; assim como se diz saudável tudo quanto se relaciona à saúde, tanto o que a resguarda quanto o que a produz como o que é seu sinal e o que está disposto para ela; ou ainda como se diz medicinal tudo quanto é relativo à medicina: aquele que possui esta arte, o que tem boa tendência para ela, e aquilo que é a sua tarefa. Podemos tomar várias outras expressões que sejam de modo semelhante a estas. Assim, se por um lado o ente se diz de muitas maneiras, são, no entanto, todas estas expressões, relativas a um único princípio: pois uns são ditos entes porque são vigências, outros porque são afecções da vigência, ou porque são encaminhamento à vigência, ou destruições, ou privações, ou qualidades, ou produções, ou gerações da vigência ou do que é dito em relação à vigência, ou ainda porque são negações de alguma destas ou da vigência; por isso, também do não ente dizemos que é não ente. E do mesmo modo como, efetivamente, há uma única ciência de tudo quanto é saudável, assim também é para as outras coisas. Pois não há somente o teorizar de uma ciência do que é dito segundo uma unidade, mas sim das coisas ditas em relação a uma única natureza, pois isso também é um modo dito segundo uma unidade. De fato, é claro que para os entes há uma única teorização enquanto entes. De todo modo, a ciência é principalmente ciência do que é primeiro, e do que todas as outras coisas dependem e pelo que são nomeadas. Se, efetivamente, isto é a entidade ou vigência, é das vigências que o filósofo deveria obter os princípios e as causas. De todo gênero, porém, há uma percepção única de cada um, e também uma única ciência, como, por exemplo, a gramática que, sendo uma, teoriza toda expressão falada. Por isso, há uma única ciência que teoriza em geral cada aspecto do ente e cada aspecto dos aspectos cada espécie, cada diferença. Se, com efeito, o ente e o uno são o mesmo e uma única natureza é por corresponderem um ao outro, do mesmo modo que o princípio e a causa, mas não como se fossem expressos numa única palavra em nada difere que os tomemos por semelhantes, isto até adiantaria a nossa tarefa — pois é o mesmo "um homem" e "homem sendo" e "homem" e não é diferente o que se revela no redobro da expressão "um homem" para "um homem sendo", mas é evidente que não se separa o ente do uno nem por geração nem por corrupção e , de modo semelhante, nem também pela unidade; de modo que, visivelmente, a justaposição neste caso revela o mesmo; além do mais, a vigência de cada coisa é uma, e não por coincidência, mas do mesmo modo e justamente porque é algo sendo — de tal modo que tantos quantos forem os aspectos respectivos ao uno, tantos serão com respeito ao ente, acerca dos quais cabe a esta mesma ciência genericamente teorizar o que é. Falo, por exemplo, como do "mesmo", do "semelhante" e de outros que tais. E quase todos as oposições são conduzidas a este princípio, porém já as teorizamos em nossa "Seleção dos contrários". E há tantas partes da filosofia quantas são as modalidades de vigências, de modo que forçosamente uma será primeira e outra subsequente àquela. Tendo, pois, o ente e o uno, gêneros que recaem diretamente sob seu domínio, por isso as ciências os acompanharão. Pois o filósofo é como aquele que é chamado matemático, pois também esta tem partes, e há, nas matemáticas, tanto uma que seja ciência primeira, e uma segunda e outras subsequentes. Como cabe a uma ciência única teorizar os contrários, e ao uno se opõe o múltiplo e ainda cabe a esta única teorizar a negação e a privação, porque em ambas teorizamos o uno do qual há a negação ou a privação — seja simplesmente, porque não lhe recai existir, seja em algum gênero: neste caso é, para o uno, a diferença o que se junta ao que há na negação; pois a negação daquele é ausência, mas na privação existe alguma natureza subjacente segundo a qual a privação é dita, ao uno se opõe então o múltiplo de modo que também os opostos dos que foram mencionados: tanto o "outro" quanto o "dessemelhante" e o "desigual" e quantos mais são ditos, seja segundo eles mesmos, seja segundo o múltiplo e o uno, todos estes cabe à mencionada ciência conhecê-los; entre os quais também está a contrariedade, pois a contrariedade é uma diferença e a diferença uma alteridade. Consequentemente, já que o uno se diz de muitas maneiras, também estes serão ditos de muitas maneiras, porém caberá a uma única ciência conhecer à todos igualmente; pois não é por ser de muitas maneiras, que haveria outras ciências, mas apenas se as palavras não são referidas, enquanto outras, nem segundo uma unidade nem em relação a uma unidade. Como, porém, tudo é referido em relação ao primeiro por exemplo: o que se diz uno o é em relação ao primeiro uno, igualmente é preciso afirmar acerca do "mesmo", do "outro" e dos "contrários" que sucede assim; de modo que tendo separado a modalidade em que cada um é dito, assim é preciso explicar, em relação ao primeiro, como cada categoria é dita em relação a este; pois uns serão ditos por possuí-lo, uns por produzi-lo, outros por outros modos como tais. É evidente, pois, como foi dito nas Aporias, que cabe a uma única ciência ter o discurso acerca destes e da vigência e cabe ao filósofo o poder de teorizar acerca da totalidade. Pois, se não coubera ao filósofo, quem seria o responsável por investigar se é o mesmo "Sócrates" e "Sócrates sentado" ou se há um único contrário para cada um, ou o que é o contrário ou de quantos modos é dito; como também acerca de outros problemas que tais. Já que, de fato, é do uno enquanto uno, e do ente enquanto ente que estas afecções são elas mesmas segundo elas mesmas, mas não enquanto números ou linhas ou fogo, é claro que é próprio daquela ciência conhecer o que cada um deles é e os seus coincidentes. E não se enganam estes outros por investigar estas outras coisas coincidentes como se não fossem filósofos, mas pelo fato de que a vigência é anterior, acerca da qual não prestam nenhuma atenção. De modo que, como também há afecções particulares do número enquanto número como o "impar" e o "par", a "proporção" e a "igualdade", o "excesso" e a "falta", e estas segundo si mesmas e em relações recíprocas recaem sob o domínio do número, como também ao sólido, ao imóvel e ao movido, ao imponderável e ao pesado pertencem outras particularidades, assim também ao ente enquanto ente há certas particularidades, e cabe ao filósofo investigar a verdade destas. Sinal disto é que os dialéticos e sofistas travestem-se sob a mesma figura do filósofo; pois a sofística é somente uma sabedoria aparente, e os dialéticos discorrem acerca de tudo, ora, comum a tudo é o ente, mas discursam sobre estas coisas evidentemente por ser este o campo da filosofia. Pois a sofística e a dialética rondam em torno ao mesmo gênero que a filosofia, mas esta difere, de uma, pelo modo potencial, de outra, pela escolha existencial; pois a dialética é experimental acerca do em que a filosofia é cognoscitiva, e a sofística é aparente, sem de fato ser. E ainda, a outra série dentre os contrários é a privação, e todas levam ao ente e ao não ente, e ao uno e ao múltiplo, tal como o repouso provém do uno e o movimento, do múltiplo. Além do mais, quase todos concordam que os entes e a vigência são constituídos de contrários; todos dizem, pelo menos, que os princípios são contrários: uns dizem o impar e o par, outros, o quente e o frio, outros ainda, o limite e o ilimitado, ou a amizade e o ódio. Todos os demais também parece que são derivados do uno e do múltiplo e os princípios apresentados pelos outros pensadores caem todos completamente nestes mesmos gêneros. Fica claro, portanto, pelo que se disse, que é uma a ciência que teoriza o ente enquanto ente. Pois todas as coisas ou são contrários ou feitas de contrários, e os princípios dos contrários são o uno e o múltiplo. Mas todos pertencem a uma única ciência, quer sejam ditos segundo uma unidade ou, como provavelmente também é verdade, quer não. Todavia, se o uno também é dito de muitas modos, é relativo ao primeiro que os outros são ditos, assim como os contrários, e por isso, e se não for o ente ou o uno um universal e o mesmo para todos, ou seja: separado, de modo que provavelmente não é, mas sim, ou relativo a uma unidade ou ao que a segue, também por isso não cabe ao geômetra teorizar o que é o contrário ou o perfeito ou o uno ou o ente ou o mesmo ou o outro, a não ser como supostos. Que assim, então, cabe a uma única ciência teorizar o ente enquanto ente e o que recai sob seu próprio domínio enquanto ente, é evidente, e que esta é uma ciência teórica, não apenas das vigências, mas também das suas propriedades, tanto dos que já mencionamos quanto acerca do anterior e posterior, do gênero e da espécie, do todo e da parte, e dos outros como tais. 3 É preciso, porém, dizer se há uma única ou duas diferentes ciências para, de um lado, o que, na matemática, chamamos de axiomas, e para a vigência. Esta claro que cabe àquela ciência una do filósofo também a investigação destes axiomas: pois recaem sobre todos os entes, e não a algum gênero separado dos demais por alguma particularidade. E servem a todos, porque são próprios do ente enquanto ente, e cada gênero é ente, porém cada um se serve tanto quanto lhe é suficiente, isto é: o quanto se estende o gênero acerca do qual conduzem as demonstrações; consequentemente, é claro que pertencem a todas as coisas enquanto entes (pois isto é o que têm em comum), assim, ao que se empenha em conhecer o ente enquanto ente cabe também esta teorização. Por isso, nenhum dos que investigam por algum setor particular empreende dizer algo acerca destes, se verdadeiros ou não, nem o geômetra, nem o aritmético, mas, por outro lado, alguns dentre os físicos (que investigam a natureza do real) agiram justamente assim, pois acreditavam-se os únicos a investigar a natureza em sua totalidade e o ente. Contudo, ainda há alguém acima do físico (pois a natureza é somente um gênero do ente), é o teórico do universal e da vigência primeira, e a este caberia a investigação também daqueles axiomas. A física também é certa sabedoria, mas não é a primeira. Porém, tantos quanto empreenderam demonstrá-los, dentre os que falaram acerca de como deve ser demonstrada a verdade, assim agiram por falta de educação nos procedimentos analíticos; é preciso quanto aos axiomas chegar anteciente (com um prévio e provedor saber), e não aprendê-los pela investigação. Que, de fato, cabe ao filósofo, isto é, àquele que por natureza teoriza acerca de todas as vigências, também investigar acerca dos princípios silogísticos (de articulação da linguagem) é evidente.. Mas concerne ao que mais e melhor conhece em cada gênero dizer os princípios mais firmes das coisas que trata, de modo que ao que trata dos entes enquanto entes cabe dizer o princípio mais firme de todas as coisas. Este é o filósofo. Porém, é o mais firme de todos os princípios, aquele acerca do qual é impossível iludir-se; pois é necessariamente o mais conhecido (pois todos se enganam naquilo que não conhecem) e incondicionado. Pois o que deve possuir quem queira compreender os entes, isto não é uma suposição (condição hipotética): mas o que é necessário conhecer para todo aquele que conhece, este já chega possuindo necessariamente. Que, assim, de fato, este seja o mais firme de todos os princípios é evidente. Digamos, a seguir, que princípio é este: Pois é impossível o mesmo simultaneamente recair e não recair ao mesmo e segundo o mesmo (e todas as demais determinações que acrescentássemos, acrescentaríamos por conta das dificuldades do discurso); este é, de todos, o princípio mais seguro: pois tem a determinação conveniente a um tal princípio. Pois é impossível para alguém sustentar que o mesmo é e não é, como alguns creem que Heráclito diz; pois não é necessário que o mesmo que alguém diz isto também venha a sustentar. Porém, caso não se admita que os contrários simultaneamente recaiam no mesmo (consideremos ainda nossas mesmas e costumeiras premissas) e também que uma opinião é contrária à opinião que a contradiga, é claro que é impossível para o mesmo simultaneamente sustentar ser e não ser o mesmo; pois teria simultaneamente opiniões contrárias este que se enganasse neste ponto. Por isso todos os que demonstram chegam a esta última opinião: pois ela é um princípio por natureza também dos outros axiomas. 4 Há aqueles, como falamos, que dizem aceitar e, ainda por cima, sustentar, que a mesma coisa seja e não seja. Adotam este discurso muitos dos que tratam da Natureza. Nós, neste caso, há pouco, ativemo-nos à impossibilidade de ser e não ser simultaneamente e, assim, mostramos o mais firme de todos os princípios. Contudo, alguns requisitam, por falta de educação, que isto seja demonstrado: de fato, é falta de educação de alguns não conhecerem aquilo de que é preciso buscar uma demonstração e isto de que não é preciso. Pois é impossível uma demonstração total de todas as coisas (que assim correria ao infinito, de modo que nem assim haveria demonstração), além do mais, se de certas coisas não é preciso buscar demonstração, não poderiam apresentar um princípio que julgassem precisar menos do que esse. Há porém como demonstrar, por refutação, até este princípio acerca do que é impossível. Basta que o contraditor diga algo, se no entanto nada diz é ridículo trocar palavra com quem mantém um discurso de nada, pois enquanto não tem discurso algum, este que assim age mais se assemelha a uma planta. Digo que o demonstrar por refutação difere do simples demonstrar porque, de um lado, aquele que vai demonstrando pareceria requisitar para si em princípio o próprio princípio de não contradição, porém, por outro lado, em acusando a requisição no adversário, haveria então refutação e não demonstração. O princípio, em relação a todos esses casos, não é o juízo em que se diz que algo é ou não é (pois isto logo alguém sustentaria ser a petição de princípio), mas o ponto de partida deve ser ao menos significar algo, tanto para si quanto para outrem: pois isto é necessário caso se diga algo. Porque, se não fosse assim, não haveria um discurso, nem para o próprio em relação a si nem em relação a outro. Porém, se alguém conceder isso, haverá demonstração: pois já haverá algo determinado. Mas assim o responsável não será quem demonstra, mas quem dele se defende: pois destruindo um discurso defende um discurso. Além do mais, quem conceder isto já concedeu que algo é verdadeiro independentemente de demonstração, de modo que não se manteria que tudo é tanto assim como não assim. Em primeiro lugar, é manifestamente verdadeiro que o nome significa o ente ou o não ente, de modo que não ficaria sendo assim e não assim. Então, se "homem" significa uma unidade, digamos: "animal bípede", entendo significar a unidade o seguinte: se por "isto" está "homem", desde que "um homem" seja isto, isto é para o homem seu "ser". Nada muda nem mesmo se alguém disser que este significa mais coisas, basta que seja determinado, pois poderia ser estabelecido para cada significado um nome diferente (como, por exemplo, se alguém não dissesse que "homem" significa uma única coisa, mas muitas, dentre as quais uma delas teria como único significado "animal bípede", ainda existiriam várias outras, porém limitadas em número, e ao significado de cada uma se estabeleceria um nome particular) caso não se estabelecesse mas se afirmasse que significa um conjunto de coisas ilimitadas, é claro que não haveria significado algum: pois que não significar uma coisa única é nada significar. E, sem a significação dos nomes, fica abolida a ação de dialogar uns com os outros e, na verdade, também consigo mesmo: pois nada é possível pensar, quando nada se pensa de único, e se for possível pensar algo, para esta realidade única já se estabeleceria um nome. Seja, pois, tal como se disse desde o começo, que o nome, em significando algo, significa algo de uno. E assim, não é possível que o ser de "homem" signifique o mesmo que o que não é o ser de "homem", se o nome "homem" significa não um atributo apenas de algo único mas também algo único. Por isso não consideramos que o atributo de algo único signifique esse tal um, uma vez que, deste modo, os nomes "músico" e "branco" e "homem" significariam uma só coisa, de tal forma que seriam todos um só, pois seriam sinônimos. E não será o mesmo "ser" e "não ser" senão pela relação de homonímia: como se o que nós estamos chamando de "homem" outros chamassem de "não homem". Mas o impasse não consiste em se é possível que o mesmo simultaneamente seja e não seja "homem" quanto ao nome, mas sim quanto ao real. Ao contrário, se "homem" e "não homem" não significam algo de diferente, é evidente que também o que não é o ser de "homem" não significará algo diferente do que é o ser de "homem", de sorte que o que é ser de "homem" será o que não é ser de "homem": pois será uma coisa só; pois isso é o que significa ser uma só coisa, tal como "traje" e "roupa", se o significado é um só. Mas se forem uma só coisa, uma só coisa significará o ser de "homem" e o de "não homem". Mas já havia sido demonstrado que significam algo diferente. É necessário portanto que, sendo verdadeiro dizer de algo que é homem, este algo seja um "animal bípede" (pois era isto o que significava o nome "homem"). Se isto é necessário, não é possível que esta mesma coisa não seja, neste caso, um animal bípede (pois isso é o que significa "ser necessário": o fato de ser impossível não ser homem); logo, não é possível dizer que seja simultaneamente verdadeiro esta mesma coisa ser não ser homem. Mas o mesmo argumento também se aplica ao "não ser homem": pois o "ser de homem" e o "ser de não homem" significam outra coisa, ainda que também o "ser branco" e o "ser de homem" sejam outros; porque aqueles se opõem muito mais, já que significam outra coisa. Mas se, por outro lado, disser que o branco significa a mesma e única coisa, voltaríamos à mesma questão anteriormente dita: que tudo seria um e não somente os contrários. Se, por outro lado, isto não for possível, coincide-se com o que já foi dito, caso responda ao que foi perguntado. Mas se acrescentar também as negações, não responderá à pergunta. Pois nada impede que a mesma coisa seja tanto "homem" quanto "branco" quanto outras tantas milhares de coisas; mas, de modo semelhante, para alguém que pergunte se é verdadeiro dizer que este algo é homem ou não, se deve responder significando uma única coisa e não se deve acrescentar que também é branco e grande. Pois que, de fato, é impossível percorrer nos entes os seus ilimitados coincidentes; portanto, ou percorremos todos ou nenhum. Do mesmo modo pois, ainda que milhares de vezes a mesma coisa seja "homem" e "não homem", não se deve responder à quem pergunta "se isso é homem" que isso é simultaneamente também "não homem", a menos que também, para tudo o mais quanto coincidiu, deva responder todo o que tal coisa é ou não é; mas se fizer isto, não dialoga mais. Os que dizem isso destroem inteiramente a entidade e nisto o que havia de ser. Pois, é necessário para eles afirmar que tudo é coincidente e que não existe aquilo que precisamente seria, para o homem e para o animal, o seu ser. Se houver algo que precisamente seja o ser de homem, isso não será o ser de "não homem" nem o "não ser" de homem (ainda que essas sejam negações disso); pois, o que significava o seu ser era uma só coisa, e isto era a entidade deste algo. E significar a entidade é, em tal coisa, o que é o ser, e não algo diferente. Mas se for significado para um mesmo algo o que é o ser de "homem" ou o ser de "não homem" ou o não ser de "homem", aquele, então, será outro que si mesmo, de modo que será necessário, para eles, dizer que este seria um discurso sobre coisa nenhuma, e que, ao invés, tudo seria apenas enquanto coincidente; pois assim foram distinguidos a entidade e o coincidente, pois o branco coincide no homem porque, de um lado, este é o branco mas não o que é o branco. Mas se todas as coisas forem ditas por relação coincidente, o universal primeiro será coisa nenhuma, caso o predicado sempre signifique o coincidente de algum sujeito. Assim seria necessário prosseguir indefinidamente, o que, no entanto, é impossível, pois não se acoplam nem mesmo mais do que dois, uma vez que o coincidente não é coincidente de um coincidente, a não ser quando ambos coincidem sobre um mesmo. Como, por exemplo, quando o branco é músico e este também é branco, porque ambos coincidem sobre o homem. Mas não é deste modo que Sócrates é músico, isto é: como se ambos coincidissem em um mesmo. Uma vez que os coincidentes efetivamente são ditos, ora deste modo, ora daquele; enquanto ditos assim, por exemplo, como o branco para Sócrates, não podem ascender infinitamente, como se ao Sócrates branco se acrescentasse outro coincidente; pois de todos os coincidentes não se gera unidade alguma. Nem ainda será coincidente ao "branco" algo outro como, por exemplo, o músico; pois nem coincidiu mais este àquele do que aquele a este, como também foi simultaneamente determinado que ora coincidiu assim, ora como o músico para Sócrates: mas, desta maneira, não há um coincidente que coincidiu em um coincidente, mas somente daquela outra maneira; visto que nem todas as coisas serão ditas como coincidentes. Neste caso, pois, haverá também algo que significa uma entidade. Mas se é assim, fica apontado que é impossível os contrários serem predicados simultaneamente. Além disso, se todos os contrários de uma mesma coisa forem simultaneamente verdadeiros, é evidente que todas as coisas serão uma. Pois o mesmo será tanto uma trirreme quanto um muro e um homem, caso seja possível afirmar ou negar algo de tudo, tal como é necessário para aqueles que proferem o discurso de Protágoras. Pois, se, para alguém, o homem parece não ser uma trirreme, claro que não é uma trirreme, visto que também é, desde que a contraditória seja verdadeira. Então, de fato, ocorre o que diz Anaxágoras, "todas as coisas junto", de modo que não subsiste nada verdadeiramente uno. Parecem, pois, dizer o indefinido, e, pensando dizer o ente, falam acerca do não ente pois o indefinido é o ente em potência, i.e., não consumado. Ainda assim, do conjunto de todas as coisas eles precisam expressar seja a afirmação, seja a negação, pois é descabido que a negação de si mesmo subsista, e não subsista a negação de outra coisa. Digo por exemplo que, se é verdadeiro dizer que o homem é um não homem, é evidente que é verdadeiro dizer que é uma trirreme. Se, de fato, há afirmação de algo, é necessário também dizer a sua negação, mas se não lhe cabe a afirmação então ao menos a negação lhe caberá bem mais do que não lhe caberia a negação de si mesmo. Se, de fato, lhe cabe aquela negação, caberá também a de trirreme; ora, se cabe esta negação de trirreme, então cabe a afirmação. Estas palavras também coincidem com os que dizem este discurso, que nem é necessário seja afirmar seja negar. Pois se é verdadeiro dizer que algo é um homem e um não homem evidentemente que também não será nem homem nem não homem. Pois às duas afirmações correspondem duas negações, mas se uma das duas proposições é aquele primeiro par, a outra seria este par que lhe é oposto. Além disso, certamente, ou é assim para todas as coisas, e existe algo tanto branco quanto não branco, e também sendo e não sendo, como de modo semelhante, para as outras afirmações e negações; ou bem não é assim para todas, mas para umas sim, para outras não. E se para nem todas for assim, estas que assim não forem estariam concordando com o princípio; mas se for assim para todas, então novamente com certeza de todas quanto afirmar, tantas também há de negar e de tantas quanto negar tantas também há de afirmar, ou então, por um lado, daquilo que afirmar também há de negar, mas de tantas quanto negar, dessas nem todas há de afirmar. E se assim for, haveria algo que com certeza não é, e esta será uma opinião segura, e se o não ser for algo seguro e cognoscível, mais cognoscível ainda seria a afirmação oposta; mas se, de modo semelhante, também se pode afirmar o que quer que se pode negar, então é necessário, ou bem dizer o verdadeiro em expressões separadas como, por exemplo, "que algo é branco" e outra vez "que é não branco", ou bem não. E se, por um lado, o dizer não é verdadeiro quando se diz expressões separadas, então não se as diz e assim também não existe nada (mas, por outro lado, estas coisas que não são, como poderiam balbuciar ou caminhar?). E tudo ademais seria um, como foi dito antes, e será o mesmo e homem e deus e trirreme e seus contrários; se assim for para cada coisa, nada distinguirá uma coisa de outra; pois, se houver esta distinção, isto é o que será o verdadeiro e próprio de cada uma. Do mesmo modo, se também é possível dizer verdade em afirmações e negações separadas, volta-se, além do mais, ao que se disse, que todos diriam verdade e todos mentiriam; e este mesmo que diz isto concorda que se engana. Ao mesmo tempo, é claro que, em vista disto, a afirmação é sobre nada, pois nada se diz. Pois, deste modo, nem diz assim nem não assim, mas diz assim como também não assim e, em sentido inverso, então nega ambos, dizendo que "nem assim nem não assim", pois, se não, de pronto algo já seria definido. Se, ainda, quando a declaração for verdadeira, a negação é falsa, tanto quanto, quando esta for verdadeira, a afirmação falsa, não será possível dizer e refutar a mesma coisa, ao mesmo tempo, de modo verdadeiro. Mas, poder-se-ia igualmente dizer que isto é o que se está supondo desde o princípio. Todavia, será que enganou-se quem sustenta que algo ou bem esteja assim ou não esteja, enquanto aquele que sustenta ambos diz a verdade? Pois, se diz verdade, o que se estaria dizendo com "esta é a natureza dos entes"? Porém, se não diz verdade, mas antes, diz verdade o que sustenta daquele outro modo, já se manteriam os entes de certo modo, e isto seria verdadeiro, e não seria simultaneamente algo também não verdadeiro. Mas se, do mesmo modo, todos estão tanto enganados quanto dizendo verdadeiro, não é possível para este nem balbuciar nem falar, pois ele diz serem simultaneamente isso e não isso. Ainda, se nada sustenta, mas crê como do mesmo modo não crê, o que o diferenciaria das plantas? Donde, nada é mais manifesto de que ninguém se dispõe assim, nem entre os que dizem tal discurso, nem entre os outros. Por que caminha, pois, para Megara mas não fica a repousar, quando crê caminhar? E por que ventura não caminha desde a aurora, direto para um poço ou precipício mas, ao invés, mostra-se precavido, como quem não considera o despencar ser tão semelhantemente bom quanto não bom? Fica evidente então que ele admite haver, de um lado, o "melhor", de outro, o "não melhor". Mas se é assim, admite também necessariamente, de um lado, haver homem e, de outro, não homem como também, de um lado o doce e, de outro, o não doce; pois quando, ao considerar ser melhor o beber água e ver um homem, logo em seguida busca estas coisas, não busca e supõe indiferentemente todas as coisas; como, em verdade, seria de fato preciso, se o mesmo fosse de modo semelhante tanto homem quanto não homem. Mas, como foi dito, não há ninguém que não se mostre precavido quanto a umas coisas e quanto a outra não; visto que, como parece, todos admitem, se não acerca de todas as coisas, pelo menos acerca do melhor e do pior, que estes tem um modo simples de ser. Porém, se não estão sabendo, mas opinando, muito mais preocupado se deveria estar com a verdade, assim como quem está doente preocupa-se mais com a saúde do quem está saudável; pois aquele que opina, frente a quem tem ciência, não esta higidamente disposto ante a verdade. Além do que, se é mais verdadeiro que tudo seja "assim" e " não assim", há, todavia, na natureza dos entes o "mais" e o "menos", pois não diríamos do mesmo modo que é par o "dois" e o "três", nem engana-se do mesmo modo, quem acredita que é cinco o quatro, como quem acredita que é mil. Se de fato, não se enganam do mesmo modo, é evidente que um dos dois se engana menos, de modo que diz mais verdade. Se de fato o "mais" é mais próximo, haveria então algo verdadeiro do qual o mais verdadeiro está mais próximo. E se não há, contudo já existe algo mais firme e mais verdadeiro, estaríamos dispensados deste discurso destemperado e que impede que algo seja determinado pelo pensamento. 5 E também o discurso de Protágoras é proveniente da mesma opinião, e é necessário semelhantemente que estes dois ou sejam ou não sejam; assim, se todas as opiniões são verdadeiras, como são verdadeiras as coisas manifestas, é necessário que tudo seja simultaneamente verdadeiro e falso, pois muitos sustentam coisas contrárias, uns frente aos outros, e consideram estarem enganados aqueles que não opinam o mesmo que eles próprios; de modo que é necessário que o mesmo seja e também não seja, e se é assim, é necessário que as opiniões sejam todas verdadeiras, pois opinam coisa contrárias uns frente aos outros, os que se enganam e os que dizem verdade; com efeito, se os entes se comportam assim, todos dirão verdade. Porque, sem dúvida, de um lado, é evidente que ambos os discursos são provenientes do mesmo pensamento, porém, de outro lado, não cabe o mesmo modo de abordagem para todos; pois uns devem ser enfrentados com persuasão e outros com coerção. Pois, de um lado, é fácil de curar a ignorância de quantos em perplexidade assim admitiram: pois a refutação destes não é contra o discurso mas contra o seu pensamento. Quanto aos que, por outro lado, falam pela graça do discurso, sua cura é a refutação do discurso que está na voz como também nos nomes.